Ex-preso que virou pastor é nomeado para reabilitar detentos: 'Ninguém é irrecuperável’

O pastor e ex-detento Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, foi nomeado para o cargo de Chefe de Seção pelo governo do RS.

Fonte: Guiame, com informações do G1Atualizado: quarta-feira, 13 de outubro de 2021 às 12:55
Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital. (Foto: Arquivo pessoal)
Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital. (Foto: Arquivo pessoal)

Depois de 29 anos de prisão e 14 anos em liberdade, Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, dedicou as últimas três décadas de sua vida trabalhando na reabilitação de presos. O ex-detento, que se tornou pastor, quer usar seu testemunho de vida para inspirar presidiários no Rio Grande do Sul. 

Lacir foi nomeado na sexta-feira (8) para exercer o cargo em comissão (CC) de Chefe de Seção na Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS).

A nomeação de Lacir foi criticada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários do Rio Grande do Sul (AMAPERGS), que pede a realização de um concurso público. Após as críticas, Lacir chegou a pedir que seu nome fosse excluído da nomeação “para não prejudicar ninguém”, mas ainda não teve seu pedido respondido, informou o G1.

Filho de agricultores, Lacir nasceu em Ibirubá (RS). Aos 19 anos, ele cometeu seu primeiro crime: furtou um Fusca junto com um amigo. Ele foi condenado a 6 anos e meio de prisão, por ter fugido por cinco vezes do sistema prisional, foi alvo de mais processos. 

Sua vida no crime foi tomando proporções maiores, incluindo infrações como homicídio, latrocínio, roubo e furto. Entre os anos 1980 e 1990, Lacir passou por 28 presídios diferentes e perdeu muitos companheiros.

“Não era para eu ter chegado onde cheguei. Infelizmente, eu sou fruto do sistema. A ociosidade dentro do presídio é muito grande”, revela Lacir. “[Os jovens] infelizmente estão trancafiados dentro das penitenciárias planejando revolta, planejando crimes, ordenando crimes, porque é só isso que eles recebem lá dentro, essa é a instrução que existe”.

Para mudar esta realidade, o ex-detento e pastor têm trabalhado com presos há 31 anos, baseado em três pilares: a igreja, o trabalho e a educação.

“Vejo três pilares na recuperação do preso: o primeiro é o fator psicológico, onde entra a espiritualidade, a igreja, lançando luz na alma do preso. O segundo fator é quando tem alguma atividade que o preso possa desenvolver, um trabalho dentro do presídio. O terceiro é quando tem a escola, que o preso consegue estudar dentro do presídio”, explica.

“Nós temos que acreditar no ser humano. Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo [disso]”, destaca Lacir.

Lacir é casado há 37 anos, tem quatro filhas e é autor do livro Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!, onde conta sua experiência na ressocialização de ex-detentos. 


Galeria na Penitenciária Estadual do Jacuí. Segundo Sidinei Brzuska, a única que era limpa. (Foto: Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal)

Trabalho reconhecido

A experiência de Lacir é de grande valor para o ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC), Sidinei Brzuska, que acompanha seu trabalho há 13 anos. Ele conta que Lacir era conhecido por levar foragidos para se apresentar voluntariamente à Justiça.

“Eu perdi a conta, mas foram dezenas, talvez centenas de condenados pela Justiça, foragidos, com mandado de prisão na rua, que o Lacir me apresentava no fórum, para eles cumprirem suas penas e saírem do crime”, relata o ex-juiz. “Ele tem uma visão apurada de quem já pode voltar a viver em sociedade”.

Brzuska revela ainda que a única galeria da Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas, que era possível a entrada de policiais, era aquela em que havia o trabalho de reabilitação feito por Lacir.

“Ele faz um trabalho importante de conscientização do preso, no sentido de mudar de vida. E faz isso com bastante autoridade. Os presos respeitam a palavra de quem, mesmo tendo cumprido praticamente 30 anos, deu a volta por cima. Aliás, existem raríssimas pessoas que sobreviveram 30 anos presas. E dessas, até onde sei, o Lacir é o único que se dedicou a fazer esse trabalho, de mostrar que é possível uma nova vida, dentro da lei e dos costumes sociais”, reconhece.

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