Amazonas: Presidiários buscam ‘mudar de vida’ por meio da fé

Pastor diz que a iniciativa das igrejas em evangelizar na cadeia pode servir como uma válvula de escape para os presos que buscam a recuperação.

Fonte: Guiame, com informações do Em TempoAtualizado: segunda-feira, 4 de outubro de 2021 às 13:28
Presos se convertem à doutrina evangélica na cadeia. (Foto: Divulgação)
Presos se convertem à doutrina evangélica na cadeia. (Foto: Divulgação)

Diversas igrejas evangélicas no Amazonas, realizam cultos em unidades prisionais para promover a ressocialização por meio das pregações e da fé.

Para o pastor Nereu Vila, responsável pelo grupo de assistência da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a iniciativa pode servir como uma válvula de escape para os presos que buscam a recuperação.

“É uma ação muito importante, pois considero que os presos têm a oportunidade de se encontrar consigo mesmo e restabelecer um pouco a sua saúde emocional. Para quem tem fé, o encontro com a palavra divina serve como um caminho para a ressocialização. E o mais legal é que muitos não esquecem da importância de Deus em suas vidas e continuam frequentando a igreja mesmo após serem soltos", afirma.

Apesar de explicar que as atividades estavam interrompidas por conta da pandemia, Nereu afirma que pretende reiniciar os estudos bíblicos e cultos nas unidades prisionais da capital. 

Algumas igrejas em Manaus já desenvolvem o papel social que ultrapassa "as barreiras da fé" mencionada pelo especialista. A igreja Chama Church, por exemplo, localizada no bairro Cidade Nova, Zona Norte de Manaus, oferece aulas preparatórias de vestibular para aqueles que desejam ingressar em uma faculdade pública. Além disso, a mesma igreja oferece atendimento médico e psicológico todas as quartas-feiras.

Testemunhos

Anderson Costa, de 39 anos, ainda carrega no tornozelo um dispositivo que não o deixa esquecer o passado atrelado ao crime. O amazonense foi preso em 2015, após ser flagrado com quase 100 quilos de cocaína que escondia dentro de casa, na Zona Norte da capital. Ele esperava receber R$10 mil pelo "favor", mas foi capturado e condenado a 15 anos de prisão.

Em regime semiaberto depois de cumprir um terço da pena, Anderson conta que viu na religião uma oportunidade para mudar de vida quando ainda estava na cadeia. "Eu me via sem chão, sem perspectiva alguma e resolvi participar de um culto evangélico que ocorreu no presídio durante visita de um pastor", relembra Anderson, que agora trabalha como microempresário.

Foi a partir daquele momento que o amazonense decidiu recalcular a trajetória que seguiria dali em diante. "Foi na palavra de Deus que consegui me refugiar e senti um conforto emocional fundamental para que eu tivesse forças e conseguisse suportar aquele lugar".

"Além disso, no próprio presídio você acaba sendo um pouco mais respeitado quando decide virar evangélico, mas isso só acontece se você realmente demonstrar sinceridade em querer mudar de vida, caso contrário todos percebem quando é apenas fingimento. Lá no Compaj [Complexo Penitenciário Anísio Jobim], por exemplo, os evangélicos são separados em diferentes celas", descreve Anderson.

Mesmo após a mudança de regime, o microempresário conta que não abre mão de frequentar a igreja quase diariamente. "Como ainda uso tornozeleira eletrônica, às vezes preciso sair antes do fim das celebrações quando elas se seguem noite adentro, mas não deixo de ir. A minha fé foi algo fundamental para que eu pudesse renascer e dar uma nova chance para mim mesmo", afirma.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas (Seap) confirmou que os presos evangélicos são alocados em celas separadas. O órgão informou ainda que as visitas de líderes religiosos são permitidas em todas as unidades prisionais do estado. No entanto, por causa da pandemia da covid-19, a realização de cultos ficou suspensa por um período, mas os representantes das igrejas já podem procurar o Social da Seap para fazer o cadastro para que sejam retomadas as visitas nos presídios.

O atendimento religioso está previsto no artigo 24 da Lei de Execução Penal. “A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa”, diz o ordenamento jurídico. Entretanto, nenhum preso é obrigado a participar de atividade religiosa.

Vida nova

Fundador da facção criminosa Família do Norte (FDN) e um dos mais notórios criminosos do país, José Roberto Fernandes Barbosa, conhecido nacionalmente como Zé Roberto da Compensa, resolveu se batizar à doutrina evangélica e deixou a criminalidade para trás. A informação foi divulgada pelo pastor Hugo, em um vídeo publicado nas redes sociais. O líder evangélico afirma que o presidiário aceitou Jesus Cristo e só aguarda liberação da Justiça para ser batizado.

“Acabei de sair da Penitenciária Federal de Campo Grande e tenho boas notícias. O próprio preso, José Roberto, me entregou um papel, disse que não faz mais parte do crime e fez o pedido para ser evangelizado”, comemorou o pastor.

Atendimento religioso em presídios é garantido em lei. (Foto: Reprodução)

O filho de Zé, Luciano Barbosa, conhecido como “L7”, também se batizou ao evangelho cristão, após ter sido capturado enquanto participava de uma audiência no Fórum Henoch Reis, Zona Centro-Sul, no início de setembro. Ele é conhecido pela extensa ficha criminal, que incluiu execuções de rivais e tráfico internacional de drogas.

Em um vídeo gravado dentro de uma penitenciária - que não foi revelada pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, “L7” diz que cansou de ter que viver fugindo e enviou um recado a “Chico Velho”, desejando boa sorte.

"Quero dizer que estou abrindo mão de tudo, já chega. Senão, minha vida só vai ser essa aqui, cadeia ou morte. É de coração, espero que ele me entenda, eu fiz o que pude. Não dá não se não vou acabar que nem meu pai. Eu não tive nem a oportunidade de ver meu filho, não estou nem há um ano na rua e já fui perseguido de novo. Chico Velho, tu é meu irmão, mas para mim já deu. Quero que você tenha uma boa sorte aí, que eu vou buscar a Deus", afirmou.

Papel social

Segundo Roberto da Silva, especialista em educação em regimes de privação de liberdade, o trabalho de religiosos em penitenciárias é algo positivo, mas poderia ser ainda melhor aproveitado se rompesse o campo da fé em ações mais concretas, voltadas à formação do detento.

"Sem dúvidas, a assistência espiritual pode ser um passo importante no 'resgate' de presos que estão dispostos a se converterem, entretanto, é muito importante também que todas as igrejas zelem pela população carcerária com o objetivo de ultrapassar as barreiras da fé e oferecer ações mais concretas, convertida em formação integral para o pleno exercício da cidadania", afirmou.

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