Anestesiados ou indiferentes?

Uma conversa franca entre mim e uma amiga sobre a questão do racismo me fez entender melhor a dor dos meus irmãos.

Fonte: Guiame, Darci LourençãoAtualizado: sexta-feira, 12 de junho de 2020 às 14:48
Mulher se emociona em funeral de George Floyd. (Foto: Reprodução/Reuters)
Mulher se emociona em funeral de George Floyd. (Foto: Reprodução/Reuters)

Nestes dias, o mundo se deparou com uma comoção mundial devido à trágica morte do afro-americano George Floyd, após abordagem violenta de um policial branco.

E, para mim, foi surpreendente me deparar com uma realidade pessoal: o baixo nível de identificação com o sentimento de meus (de nossos) irmãos negros/pretos. Para mim nunca houve, nunca percebi qualquer distinção. Isso percebo agora que não foi tão positivo assim, pois não senti a dor que, como estigma, trazem em sua alma.

Diante do evento mundial, perguntei a uma amiga negra/preta, que nunca evidenciou qualquer nível de dificuldade com sua etnia: Como você percebe tudo isso? Você está acompanhando as notícias do negro morto por um policial branco nos Estados Unidos?

Bem, vou transcrever aqui a nossa conversa.

Eu: Você pessoalmente sente a dor do racismo?

Ela: Com certeza sinto muito essa dor. Não tem como ficar indiferente. Sinceramente, nunca senti tanto essa pressão do racismo como tenho sentido agora e também nunca havia chorado a respeito desse assunto. Mas, nestes últimos dias, lavei a alma. Eu posso ser a próxima vítima, meus irmãos, meus primos, meus filhos, meus sobrinhos... minha família. Dói demais. É triste ver tanta indiferença, tanta crueldade, tanta maldade... Pessoas negras perdendo a vida por nada. Que caminho sofrido, viu pastora. Nunca senti a dor do racismo, mas agora [ela] bateu na minha porta.

Eu: Você disse algo forte: sobrinhos, primos... Estava tão distante de nós essa realidade. É muito forte.

Ela: Não estava distante não pastora, apenas não noticiavam com tanta força. Foi preciso filmarem uma vida se perder literalmente asfixiada pelos joelhos de um cidadão branco para o assunto voltar pra mídia. Não é só uma vida em jogo. É uma geração inteira.

Eu: Sim!

Esse foi nosso diálogo e, amados, isso me fez cair a ficha! Eu estava meio anestesiada, estava vendo a beleza negra, a questão da autoestima, e muito mais que isso, as marcas estão gravadas na alma, gerando uma energia mental, emocional e até mesmo espiritual muito tóxica, moldando as gerações que vão nascendo com a marca dessa separação entre brancos e negros.*

Fiz algumas pesquisas sobre a questão racial, mais especificamente sobre as nomenclaturas da cor, que quero compartilhar:

Especialista diz não ser correto, para efeito de pesquisas, reunir pardos e pretos em um só grupo, de negros. Segundo ele, a discriminação contra os pretos é muito maior do que a verificada entre as pessoas que se autodeclaram pardas.

No artigo “Qual a diferença entre preto, pardo e negro?”, do Portal Terra, lemos:

"A divulgação, por parte da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), de notícia sobre a ausência de pessoas pretas nos cursos mais concorridos da Universidade de São Paulo (USP) alimentou uma polêmica sobre a forma mais correta de se classificar a população pela cor ou raça. Com a bandeira do 'politicamente correto' levantada, alguns defenderam que seria melhor utilizar os termos negros ou afrodescendentes. Mas é errado chamar alguém de preto?

O debate começou porque a Fuvest, responsável pela seleção dos alunos da USP, adotou o padrão de classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divide a população do País em cinco grupos: pretos, pardos, brancos, amarelos e indígenas.

A alegação é histórica: o primeiro censo demográfico do Brasil foi feito em 1872 e perguntava aos brasileiros em qual dos quatro grupos eles se enquadravam: preto, pardo, caboclo ou branco. Ao longo de mais de 140 anos, foram feitas algumas mudanças na nomenclatura, mas ainda não há consenso sobre a forma de classificar a população.

José Luiz Petruccelli, que faz pesquisas sobre diversidade racial há mais de 20 anos no IBGE, reconhece que a classificação pode ser aprimorada, embora defenda que o modelo segue uma série histórica e mudanças poderiam prejudicar a comparação dos dados. 'Esse é um tema muito polêmico. Alguns defendem que deveríamos usar a classificação negro, mas o negro é uma identidade social. Leva em conta uma visão política, a identidade de um povo muito mais do que a cor da pele', defende.

O especialista diz não ser correto, para efeito de pesquisas, reunir pardos e pretos em um só grupo, de negros. Segundo ele, a discriminação contra os pretos é muito maior do que a verificada entre as pessoas que se autodeclaram pardas, e essa diferença precisa estar presente nos levantamentos demográficos. 'Existe diferença no comportamento social entre pretos e pardos: quanto mais escuro, mais discriminado', afirma.

Já a União de Negros pela Igualdade (Unegro), organização de movimentos sociais criada na Bahia e presente em 24 Estados, defende que o mais adequado é usar o termo negro, embora aceite as regras do IBGE. 'Como não existe um critério científico para essa classificação, acordou-se em usar a nomenclatura do IBGE para pesquisas, que seria o mais próximo do viável', disse Alexandre Braga, diretor de comunicação da entidade.

Apesar de concordar que quanto mais escura a cor da pele, maior a discriminação, a Unegro acredita que o IBGE possa vir a usar apenas a classificação negro no futuro. 'As pessoas se identificam mais como negras do que pretas ou pardas', afirma Alexandre.

Preto e pardo

Nas pesquisas do Censo feitas pelo IBGE, é apresentada uma relação com as cinco nomenclaturas utilizadas e as pessoas precisam indicar a qual cor pertencem. Segundo Petruccelli, cada pessoa tem liberdade para dizer a sua classificação. Ele explica que pretos normalmente são as pessoas que se enxergam com a cor mais escura. Mas em relação aos pardos não há consenso. 'Normalmente são as pessoas que se classificam como ‘morenas’ ou ‘mulatas’, mas isso depende na região', afirma.

O pesquisador diz ainda que nas regiões Sul e Sudeste, a população que se declara parda normalmente é de origem africana. Porém, no Norte, muitos pardos são, na verdade, descendentes de indígenas. Ele ainda conta uma história curiosa sobre a situação no Distrito Federal. 'A população local, por mais branca que seja a sua pele, se classifica como parda porque vê os brancos como os funcionários públicos que vieram de fora'.

De acordo com o pesquisador do IBGE, a presença de pretos é menor no Brasil, por isso existe a tendência em reunir pardos e pretos em um grupo de negros. Ele diz que apenas para as pesquisas o termo não se aplica, mas que na convivência social é válido agrupar as duas nomenclaturas. Para o representante da Unegro, ocorre também a resistência em assumir a cor preta e muitos preferem ser incluídos na lista dos pardos – que seria uma forma intermediária. 'A identidade do negro é muito maior, por isso defendemos a utilização desse termo', afirma.

E o afrodescendente?

De acordo com o diretor da Unegro, o termo afrodescendente – ou afrobrasileiro – está em desuso. 'Acredito que hoje seja muito mais adequado chamar alguém de negro do que de afrodescendente. Essa é muito mais uma nomenclatura política, de ação dos movimentos sociais na luta contra discriminação do que para designar a cor', explica."

Em seu artigo “Preto ou Negro. Eis a questão", Marcos Luca Valentim escreve:

"Importante ressaltar logo de cara: não há um consenso. As divergências são sutis e variam quanto ao conteúdo, mas jamais quanto à forma: é uma questão léxica e de ressignificação.

Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, propõe, em Crítica da Razão Negra, que o conceito de escravo tende a se fundir com o de negro até estes se tornarem uma coisa só. Para desfazer isso, ele defende a 'reinvenção da comunidade', e tal conceito encontra respaldo no processo de ressignificação e politização da ideia de raça, proposto pelo Movimento Negro Unificado (MNU) no final da década de 70.

E aí a pergunta que o título deste texto traz começa a ganhar várias respostas. Um artigo publicado em 1967 por Lerone Bennet Jr, editor sênior da revista Ebony, traz pontos importantes ao debate, como, por exemplo, a discussão que tomou conta dos Estados Unidos à época. Bennet escreve que 'há um grupo que sustenta que a palavra negro é um epíteto impreciso que perpetua a mentalidade de mestre-escravo (…) outro grupo, constituído por defensores do Black Power, adotou um novo vocabulário em que a palavra preto é reservada para ‘irmãos pretos e irmãs que estão emancipando a si mesmo’."

Voltando... É precisa definir negro ou preto? Vejamos o que diz a Palavra de Deus, a Bíblia:

“Não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e plenos herdeiros de acordo com a Promessa. (Gl 3:28 e 29)

Essa sempre foi, é e será a verdade única e exclusiva, no meu coração e na minha mente, e o que permeará os meus sentimentos, em nome de Jesus, amém. Porém, quando sentimos o coração do outro não é esse o sentimento e entendimento que trazem consigo mesmo.

A Bíblia diz que Jesus fez algo lindo e tremendo na cruz: Ele quebrou a parede da inimizade, e de todos fez um só povo. Está feito, está consumado. E agora, o que resta fazer?

Primeiro, entender que o que os nossos irmãos sentem é real, e que há necessidade de serem “curados” de machucaduras na alma, de ressignificarem suas histórias. Segundo, entendermos que a luta não é deles, é nossa, pois de todos Jesus fez um só povo.

Ninguém pode ou deve continuar vivendo debaixo de uma nuvem de insegurança como disse minha amiga: “Amanhã pode ser eu, alguém da minha casa”.

Nossa bandeira é o Amor. O Amor de Deus.

Nosso alvo: Até que todos cheguemos ao pleno conhecimento de Cristo. Isto é, até não termos a marca do muro das paredes da inimizade que foi rompido por Cristo.

Um dia houve uma voz no deserto. Hoje deve haver a nossa, anunciando que somos verdadeiramente um só no espírito e no entendimento.

Nunca se esqueça: O Pai ama você. Ele ama a todos, indistintamente!

Por Darci Lourenção, psicóloga, pastora, coach, escritora e conferencista. Foi Deã e Professora de Aconselhamento Cristão. Autora dos livros “Na intimidade há cura”, “A equação do amor” e “Viva sem compulsão”.

* O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: A importância do dia de hoje

REFERÊNCIAS:

PORTAL TERRA. Qual a diferença entre preto, pardo e negro? 2013. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/voce-sabia/qual-a-diferenca-entre-preto-pardo-e-negro,395c952757b7e310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em: 10 jun. 2020.

VALENTIM, Marcos Luca. Negro ou preto? Eis a questão. 2020. Disponível em: https://midianinja.org/editorninja/negro-ou-preto-eis-a-questao/. Acesso em: 10 jun. 2020.

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