A fé contra o crime

A fé contra o crime

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:03

“Vou permitir que aqueles homens (policiais) te peguem para provar a obra que Deus tem preparada para ti”.

Após seis anos ter ouvido essas palavras de um pastor na comunidade do Salgueiro (RJ), em São Gonçalo (RJ), Luiz Cláudio Paes Sodré, 29, na época conhecido como Dinho Ladrão, se vê em meio ao fogo cruzado entre policiais e traficantes no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. De um lado, as forças de segurança, com todo o seu aparato de guerra, pretendem retomar o território considerado o quartel-general do Comando Vermelho (CV). Do outro, traficantes fortemente armados tentam resistir à ação do Estado para permanecer atuando no local.

Luiz Cláudio poderia estar integrando o segundo grupo, se no dia 14 de setembro de 2004, não tivesse saído da igreja após ouvir as palavras do pastor e acabar preso pela PM. Desarmado e sem qualquer mandado de prisão expedido contra si, Dinho foi reconhecido pelos policiais, colocado de joelhos e ameaçado de morte. Um deles, entretanto, disse:

“Vou te dar uma oportunidade. Vai e aceita esse Deus”.

E foi em nome desse Deus que o hoje pastor Luiz Cláudio, do Ministério Resgatando Almas, “invadiu” o Complexo do Alemão para evangelizar e mediar a rendição dos traficantes durante o confronto. Ele percorreu algumas das 12 comunidades do conjunto de favelas, onde pregou o evangelho para policiais, moradores e, principalmente, traficantes. Mas é em sua igreja, localizada na Estrada das Palmeiras, em Itaúna, no Complexo do Salgueiro, que o pastor realiza diariamente o resgate de pessoas envolvidas com o crime e com drogas em São Gonçalo.

O jornal "O SÃO GONÇALO" acompanhou durante três dias o trabalho do religioso que garante já ter “fechado” bocas-de-fumo, convertido homicidas, viciados e assaltantes, além de ter impedido execuções nos tribunais do tráfico. “Vamos embora que já tem uma penca de bandidos me esperando”, afirma o pastor, antes de partir para mais uma “missão” numa comunidade controlada pelo tráfico em São Gonçalo, na noite da última quinta-feira.

No caminho, o pastor contou que ocupava o posto de gerente da venda de entorpecentes no Conjunto da Marinha, uma das favelas que compõem o Complexo do Salgueiro, antes de trocar a pistola pela bíblia. Na época, Luís Carlos da Silva Garuba, o Pixô, que chegou a ser um dos traficantes mais procurados do Estado, era o chefão do Complexo do Salgueiro.

“Eu estava junto com o Pixô quando houve a operação no Salgueiro (RJ), em 2002, que resultou na morte dele. Eu também poderia estar morto, mas fugi para um lado e ele para o outro. Foi meu primeiro livramento”, relembrou.

Ao chegar à favela, o pastor e a equipe de reportagem foram recebidos por dois jovens, Y e Z, com idades entre 25 e 30 anos, com toucas ninjas, armados com dois revólveres.

“Muita gente se diz crente, mas não tem a coragem de pregar para quem mais necessita da palavra de Deus, que é nós (sic). O pastor fala nossa língua e me espelho na história de superação dele para tentar largar o crime. Sei que as pessoas pensam que é um caminho sem volta, mas muitos querem e conseguem sair. E eu vou tentar”, afirma Y.

Depois de abrir a bíblia e ler algumas passagens em forma de oração, o pastor pediu que os dois rapazes se ajoelhassem e colocassem as armas no chão. A cena, dura apenas alguns segundos, mas ao sair da casa o pastor comemora. “É um trabalho de convencimento através da palavra de Deus. Ainda vou conseguir resgatar esses dois”, promete.

Durante o culto no Ministério Resgatando Almas, testemunhos como o de Y são comuns. Em meio a cânticos e orações entusiasmadas, ex-traficantes, ex-homicidas e ex-viciados se prostram diante do púlpito para dar depoimentos que se confundem com a história do próprio pastor e de um bairro marcado pela violência.

É o caso de Sílvio Pedro Diniz, 32, que já foi conhecido como Sílvio Capeta. Ex-viciado, ele contou que as drogas o fizeram matar o próprio amigo há dois anos. Após cometer o crime, procurou abrigo no Salgueiro, onde conheceu o trabalho desenvolvido pelo pastor Luiz Cláudio e foi aconselhado a se apresentar no Fórum. Por contribuir com o trabalho da Justiça, Sílvio, que hoje trabalha numa transportadora, responde ao processo em liberdade.

“O Sílvio Capeta não existe mais. Depois que conheci a ‘palavra’ me tornei o Sílvio de Jesus”, garante.

Outro que largou o crime através do Ministério Resgate de Almas é Almir Soares Carvalho, 22. Conhecido como Xingu, ele entrou para o tráfico para pagar uma dívida que havia contraído na boca-de-fumo. Mas, o vício o fez vender a arma de um dos traficantes para comprar mais drogas. Jurado de morte, Almir foi resgatado no momento em que seria executado.

“Já trafiquei, roubei e troquei tiro com a Polícia em troca desse vício. Cheguei ao fundo do poço ao cometer a loucura de vender a arma da ‘boca’. Através do trabalho do Ministério, fui livrado não só da morte, mas do vício”, contou o ex-traficante.

Segundo o pastor, casos como o de Almir são os mais comuns. Através de telefonemas, o religioso é chamado a interceder pela vida de pessoas condenadas à morte pelo tráfico.

“Valentia para mim não é mais portar uma pistola ou um fuzil. É segurar a bíblia e cair pra dentro da batalha de resgatar vidas e almas”, finalizou.

Serviço

Ministério Resgatando Almas

Estrada das Palmeiras, n 96, Itaúna.

Disque-Oração: 8445-1744/7886-6052

Dias de culto: terça, quinta, sábado e domingo (às 20h).

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