Os vendilhões do templo - O comércio no lugar do culto

Quando as ações se tornam mais importantes do que as razões que as antecederam, um projeto institucional caminha para o desastre

Fonte: guiame.com.brAtualizado: segunda-feira, 22 de dezembro de 2014 às 11:04
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igrejaA pergunta necessária que toda a organização deve fazer: é possível nossa instituição ser eficiente, bem sucedida, e mesmo assim perder o sentido? Na narrativa do evangelho de João, Jesus expulsa vendedores que se tornaram promotores de um camelódromo no espaço sagrado. O lugar onde o peregrino devia ser acolhido, e o adorador encontrar ambiente para o culto, havia se transformado em feira-livre. Jesus, então, vira as mesas e destrói com a lógica do mercado. Ele, que no trato com transgressores vinha se mostrando indulgente, passou a agir com violência – veja o chicote em suas mãos.

O que explica tal indignação? Simples, os cambistas tornaram os fins mais importantes do que os meios. Imagino que as primeiras bancas de troca de dinheiro começaram por motivos nobres. Vender facilidade para viajantes que vinham adorar, e sacrificar, parecia legítimo. Afinal de contas, era difícil carregar um animal até o lugar do holocausto. Com o passar do tempo, os gerentes eclesiásticos perderam de vista essa motivação inicial. O comércio ocupou o lugar do culto. De fato, quando as ações se tornam mais importantes do que as razões que as antecederam, um projeto institucional caminha para o desastre.

Ofereço uma lista que pode ajudar a não confundir meios e fins.

1. Nenhum método é sagrado. Se há mais rigor em preservar o método e não os princípios, toda a ética fica comprometida, toda a lisura, questionável e toda a integridade, arranhada.

2. Nenhuma tradição deve ser perpetuada a não ser que se tenha uma excelente razão para continuá-la. Tradicionalismo, ou espiritualidade de casca, talvez fique mais bem explicado na descrição de Brás Cubas sobre seu tio cônego: Esse tinha muita austeridade e pureza; tais dotes, contudo, não realçavam um espírito superior, apenas compensavam um espírito medíocre. Não era homem que visse a parte substancial da Igreja; via o lado externo, a hierarquia, as preeminências, as sobrepelizes, as circunflexões. Vinha antes da sacristia que do altar. Uma lacuna no ritual excitava-o mais do que uma infração dos mandamentos.

3. Não existe conexão alguma entre fins corretos e meios incorretos.

4. Progressismo exterior, sem coragem de repensar o alicerce das convicções, não passa de inovação utilitária.

5. Acreditar que um projeto se legitima só por “ser de Deus” foi e será sempre responsável por grandes maldades.

6. Nenhuma estrutura tem a chancela perene de sagrada.

7. As razões que antecedem os atos são mais importantes do que os atos em si.

8. O conceito moderno de sucesso não serve para aferir valor espiritual.

9. Prosperidade e riqueza não têm relação direta com o favor de Deus.

10. Crescimento numérico em religião pode ser melhor explicado pela sociologia do que pela teologia.

Dons sem caráter não passam de sinos a tinir. Fé sem compromisso ético é mera magia. Religião comprometida com as lógicas do mercado tem o sinal da besta. Teologia da prosperidade – tão atual no neopentecostalismo – atualiza a necessidade de profetas que virem mesas.

Soli Deo Gloria


- Ricardo Gondim

 

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