O infiel não tem direito à pensão alimentícia

Foi travada uma luta nos Tribunais e na Academia, especialmente após 2010, com a Emenda do Divórcio, pela qual foi facilitada a dissolução do casamento.

Fonte: Guiame, Regina Beatriz Tavares da SilvaAtualizado: quinta-feira, 2 de julho de 2020 às 16:06
(Foto: Reprodução/ADFAS)
(Foto: Reprodução/ADFAS)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento recente, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, reconheceu a tese que defendo de que a traição no casamento e na união estável é descumprimento de dever conjugal que acarreta a aplicação de sanções ao infiel (Agravo em Recurso Especial n. 1.269.166 – SP – SP).

Defendo essa tese desde a década de 1990, quando a apresentei na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, intitulada “Reparação Civil na Separação e no Divórcio” (Saraiva, 1999), em que demonstrei a legalidade da aplicação de sanções a quem descumpre dever conjugal, quais sejam, a perda do direito à pensão alimentícia e a sua condenação no pagamento de indenização ao consorte vitimado, o que não é bis in idem, porque suas naturezas são diferentes: pela primeira, o infiel perde o direito de receber a assistência material que tinha durante o casamento, pela segunda, o traidor é condenado a pagar uma indenização pelos danos morais e materiais que ocasionou ao traído.

Após a Emenda Constitucional (EC) do Divórcio, de n. 66/2010, houve um movimento discrepante das regras de interpretação do ordenamento legal, em prol da eliminação da sanção da perda do direito à pensão alimentícia pelo infiel. Essa interpretação equivocada não advinha de mero erro, mas, sim, era feita dolosamente, no sentido de tornar o casamento um “nada” jurídico, sem deveres, porque dever sem sanção não é dever jurídico, é mera recomendação ou faculdade. Queriam que apenas fosse facultada a fidelidade e quem fosse infiel não perderia a pensão alimentícia, não teria essa sanção jurídica.

Para chegar a esse torpe objetivo, diziam que teria sido extinto o instituto da separação judicial, sabendo-se que é nesse instituto que o Código Civil prevê a perda da pensão alimentícia por quem descumpre dever conjugal. Se estivesse extinto esse instituto, estariam suprimidas todas as normas a ele concernentes.

Logo após a EC 66/2010, em combate a essa desastrosa ideia, escrevi o livro “Emenda Constitucional do Divórcio” (São Paulo: Saraiva, 2011, republicado com o título “Divórcio e Separação após a EC 66/2010”, em 2012, 2.ª ed.) para demonstrar as incongruências daquele pensamento e também que, além do instituto da separação ter continuado presente em nosso ordenamento legal e, portanto, todas as normas legais respectivas, o pedido exoneratório poderia ser feito ao lado do pedido de divórcio.

E, agora, um dos processos em que se debatia o tema, chegou ao STJ.

A infidelidade é comportamento indigno e quem é infiel, mesmo sendo dependente do marido ou da esposa, não tem direito à pensão alimentícia, a infidelidade ofende a autoestima do consorte traído e também a sua reputação social, ou seja, sua honra.

Quem defende a manutenção do direito do consorte infiel à pensão alimentícia tentando basear-se no princípio da dignidade da pessoa humana, vai contra esse princípio constitucional, porque a dignidade não é forjada por conceitos individuais, mas, sim, pelo conceito social: quem poderia considerar uma esposa ou um marido infiel como digno? Se não é digno, é absurdo querer fundamentar na dignidade o recebimento de pensão alimentícia.

Foi travada uma luta nos Tribunais e na Academia, especialmente após 2010, com a Emenda do Divórcio, pela qual foi facilitada a dissolução do casamento, que passou a poder ser dissolvido sem prévia separação de fato por dois anos ou separação judicial por um ano. Algo de tão simples interpretação, foi desvirtuado por quem pretendia retirar a fidelidade do casamento, ou seja, por quem queria a liberdade incontida na relação conjugal, por quem desejava que no casamento somente existissem direitos, como o da pensão alimentícia, sem os correspondentes deveres, como a fidelidade.

Como constou do acórdão do TJSP, de relatoria do Desembargador Carlos Alberto Garbi, que foi atacado no recurso julgado pelo STJ, que manteve o julgado do TJSP, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti: “A infidelidade ofende a dignidade do outro cônjuge porquanto o comportamento do infiel provoca a ruptura do elo firmado entre o casal ao tempo do início do compromisso, rompendo o vínculo de confiança e de segurança estabelecido pela relação afetiva. A infidelidade ofende diretamente a honra subjetiva do cônjuge e as consequências se perpetuam no tempo, porquanto os sentimentos negativos que povoam a mente do inocente não desaparecem com o término da relação conjugal. Tampouco se pode olvidar que a infidelidade conjugal causa ofensa à honra objetiva do inocente, que passa a ter sua vida social marcada pela mácula que lhe foi imposta pelo outro consorte…. Indignidade reconhecida. Cessação da obrigação alimentar declarada. Procedência do pedido”.

Como consta da decisão do STJ, a norma legal que fundamenta a exoneração do dever alimentar do marido diante de infidelidade, ainda que somente virtual, da esposa, está no parágrafo único do artigo 1.708 do Código Civil: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor”.

A luta valeu! Agora está coroada pelo STJ, que, inobstante tenha proferido decisão monocrática de inadmissibilidade de recurso especial, posicionou-se no sentido de que o comportamento indigno por infidelidade dá causa à perda da pensão alimentícia.

Por Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada.

* O conteúdo do texto acima é de colaboração voluntária, seu teor é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Em defesa da família

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