Shakespeare: o poeta morto no século XVI que continua escrevendo ‘até hoje’

Shakespeare prega, através de suas peças, mensagem similar à que Cristo pregou exposto numa cruz: você é livre e responsável.

Fonte: Guiame, Alisson MagalhãesAtualizado: quarta-feira, 7 de abril de 2021 às 18:01
Um exemplar do First Folio de Shakespeare. (Foto: Reprodução / AFP)
Um exemplar do First Folio de Shakespeare. (Foto: Reprodução / AFP)

Willian Shakespeare foi um poeta inglês que viveu de 1564 a 1616 e é até hoje considerado um dos maiores da história da Inglaterra e o mais influente dramaturgo do mundo. Certa vez pensei em ler toda a obra dele, coisa que ainda estou muito longe de fazer, pois até hoje consegui ler alguns pedaços de algumas de suas 38 peças. Não desisti do plano, principalmente pelo que vi no pouco que consegui ler, o que me fez perceber o porquê de ele ser tão reverenciado até hoje.

Uma pequena olhada rápida em trechos de suas peças nos dão a impressão de que Shakespeare ainda está vivo e fazendo adaptações em seus textos até hoje para deixá-los mais atualizados. As peças são espirituosas, extremamente profundas e estranhamente atuais.

“O amor esfria, a amizade se rompe, os irmãos se dividem. Na cidade, revoltas; nos campos, discórdia; nos palácios, traição; e se arrebentam os laços entre pais e filhos”.

Essas palavras de Rei Lear me soam, de forma suspeita, como comentaristas descrevendo nosso mundo moderno, nestes tempos de modernidade líquida. As descrições que o poeta faz do crime, injustiças, guerras, traição e ganância demonstram claramente que estes não são, nem de longe, problemas exclusivos da nossa geração. Ao contrário, estão por aí há muito tempo. Na verdade, desde o início de tudo.

Hoje vemos os políticos na televisão falando a respeito dos problemas sociais que têm assolado o mundo, nos dando a ideia de que, se conseguirmos simplesmente manter a economia funcionando para melhorar o acesso das famílias a bens e serviços, ou se conseguimos educar as crianças que moram nas comunidades, voltaríamos a uma espécie de sonho da sociedade. Dentro desta ótica, os problemas sociais teriam suas raízes mais profundas na pobreza e na falta de educação.

Bem, Shakespeare discordaria: “Por tudo quanto vejo, tanto se adoece por comer em excesso como por definhar à míngua”, observou a empregada de uma herdeira em “O mercador de Veneza”. Na verdade, Shakespeare mostrava grande respeito pela decência das classes mais baixas. Em suas peças, os verdadeiros vilões eram os ricos e poderosos, como Macbeth e Ricardo III, que tinham todas as vantagens da educação, riqueza, e excelente linhagem.

Isso me faz lembrar espantado de algo curioso: Todos os grandes nomes da literatura, ou pelo menos grande parte deles – Shakespeare, Tolstoi, Balzac, Dickens – normalmente têm o mesmo hábito de zombar da ideia de que a pobreza está na raiz da maldade. Para todos eles, a maldade cresce e mostra sua face exatamente nas classes mais altas.

Rei Lear faz a melhor das afirmações e nos presenteia com uma pérola: “Os buracos de uma roupa esfarrapada não conseguem esconder o menor vício; mas as togas e os mantos de púrpura escondem tudo. Cobrem até o crime com placas de ouro...”. É impossível não fazer uma associação com os Fariseus da época de Jesus ou com alguns figurões eclesiásticos de nossa era. Fiquei impactado porque as peças de Shakespeare vão além de nos oferecer um vislumbre apenas dos políticos da nossa época. Elas também nos mostram um retrato da sociedade contemporânea.

O fato é que enquanto a oposição joga a culpa pelos males da sociedade no governo, e vice-versa, o ciclo de vida desses males continua e ninguém aponta para o cerne da questão, que está exatamente numa triste realidade constatada pelo poeta. Não consegui deixar de perceber o quanto nós, homens e mulheres, encolhemos. Na moderna sociedade líquida dos estereótipos, o bandido vira bandido porque não consegue se controlar; adolescentes engravidam só porque os seus impulsos são mais fortes do que eles; mulheres abortam porque afirmam não ter escolha. Casamentos terminam porque se divorciar é mais fácil do que resolver os problemas que surgem. A mensagem passada é clara: somos produtos dos nossos genes, nossa família e nossa cultura, e não temos liberdade de escolha.

SOMOS OS AUTORES DE NOSSA HISTÓRIA

Contrariando essa noção, as personagens do poeta cruzam os palcos sempre na direção dos gigantes, mantendo um senso real de destino. Não são vítimas das suas circunstâncias, e sim indivíduos livres fazendo escolhas e escrevendo suas próprias histórias, algumas malignas e outras nobres, e convivendo com as consequências. Shakespeare prega, através de suas peças, a mesma mensagem que Cristo pregou exposto numa cruz: Você é livre e responsável.

Sim, o Redentor morreu para nos fazer livres, e é por isso que o homem pode romper com sua história e reescrevê-la. Infelizmente, alguns se esquecem disso e preferem continuar jogando a culpa de seus infortúnios em outros. O Problema é que, no fim das contas, quando os livros da vida de cada um se abrirem, a Bíblia mostra que o argumento não vai colar, e vamos perceber que até o fato de abrirmos mão do direito de escolha é uma escolha, e isso pesará contra nós quando prestarmos contas ao Juiz do Universo.

A culpa pelos males da sociedade? É do homem, que com suas loucuras destrói a família e faz com que as novas gerações não adquiram o senso de certo e errado que constrói o caráter. É daqueles que vendem seu voto para, depois, reclamar que os políticos que seus votos vendidos elegeram não cumprem com seus papéis. É do homem que negligencia seu papel como bom cidadão.

Já parou para pensar no que aconteceria se cada um de nós deixasse de se corromper e cobrasse mais responsabilidade, lisura e transparência dos que nos lideram? Se assumíssemos o compromisso de resolver nossos problemas emocionais e de sermos cidadãos melhores? Se decidíssemos reescrever nossas histórias? Pois é.

Não é impossível. De acordo com Jesus, ainda somos livres, ou pelo menos podemos ser, se quisermos (João 8:32), mas precisamos, também, aprender que liberdade traz responsabilidade.    

Alisson Magalhães é Ministro Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração. Autor do livro Cristianismo 4.0 - Desafios para a comunicação cristã no século XXI, à venda pela Book Up Publicações. Atualmente serve com sua esposa, Elaine, como Pastor na Igreja do Nazareno em Otacílio Costa, na Serra Catarinense, onde também atua como jornalista e Secretário de Administração e Comunicação Institucional na Prefeitura de Palmeira/SC.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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