Pais helicópteros: A paranoia que tolhe a liberdade infantil

Subir em árvores, brincar ao ar livre, machucar-se com frequência, correr alguns riscos inevitáveis para viver: assim era a infância de todos nós, com mais de 30 anos. Não mais

Fonte: veja.abril.com.brAtualizado: quarta-feira, 15 de outubro de 2014 às 17:31
família
família

famíliaPausa na política para falar de tendências de comportamento. As liberdades individuais, a longo prazo, dependem mais destas do que daquela, que mal ou bem vem a reboque. João Pereira Coutinho, em sua coluna de hoje na Folha, conta-nos um pouco de sua infância rebelde e arriscada, com suas típicas pitadas de humor, para chegar ao mundo moderno, em que pais controlam cada passo de seus filhos de forma doentia.

Subir em árvores, brincar ao ar livre, machucar-se com frequência, correr alguns riscos inevitáveis para viver: assim era a infância de todos nós, com mais de 30 anos. Não mais. Hoje, um pai pode ser preso por deixar seu filho solto em um parque público. O que aconteceu? Por que tanta paranoia? Como explicar o paradoxo de tanto controle em uma época justamente mais segura? Diz Coutinho:

Às vezes pergunto o que aconteceria aos meus pais se o pequeno selvagem que eu fui pudesse reaparecer agora, neste 2014, sem freio nem controle. Provavelmente, seria exibido em uma jaula, como um King Kong pré-púbere, só para horrorizar a burguesia.

“Minhas senhoras e meus senhores, vejam com os próprios olhos, uma criança que gosta de brincar!”

Imagino a plateia, horrorizada, tapando os olhos dos filhos -ou, melhor ainda, ligando os tablets e anestesiando-os com a dose apropriada de pixels.

E a minha mãe, a única sobrevivente da minha biografia juvenil, estaria obviamente presa. Exagero? Não creio. Conta a “Economist” dessa semana que Debra Harrell, da Carolina do Sul, foi detida por deixar a filha de nove anos brincar no parque sem vigilância apurada.

De fato, se tiver de lembrar tudo que fiz, meus pais deveriam estar confinados no presídio de segurança máxima. Lembro, para dar apenas um exemplo, de um amontoado de crianças espremidas na mala da perua indo à praia. Cinto de segurança? Risos. No entanto, cá estou eu, bem vivo.

Não faço aqui uma apologia à irresponsabilidade, tampouco desmereço alguns avanços na segurança. Mas parece inegável que chegamos a um patamar obsessivo demais, medroso demais, covarde demais, em que tudo deve ser pensado para retirar quaisquer riscos de acidente ou machucado de nossos rebentos. Vivemos na era do Merthiolate que não arde. Alguém estranha a geração do “mimimi”, sempre chorando e se vitimizando para conquistar privilégios confundidos como “direitos”?

Isso sem falar da pressão por ocupar 24 horas do dia com atividades, aulas particulares, estímulos variados. É uma guerra contra o ócio! Só tem um detalhe: o ócio pode ser, sim, criativo, como diz Domenico De Masi (ele apenas exagerou na dose). E mais: ele é parte inexorável da vida. Pular de galho em galho é apenas uma fuga exasperada, que nos impede de entrar em contato com nossas próprias reflexões e angústias, fundamentais para o amadurecimento.

Coutinho faz uma boa analogia: “Não é natural ter com os filhos a mesma relação que existe entre um treinador e o seu atleta, como se a vida -acadêmica, pessoal, emocional- fosse uma mini-Olimpíada permanente”. Os pais deveriam delegar mais aos filhos e deixar um espaço maior para experimentarem por conta própria, conhecerem os riscos da vida, pois viver é arriscado, mas viver apenas buscando extirpar todo risco é o mesmo que morrer em vida…


- Rodrigo Constantino
veja.abril.com.br

 

Este conteúdo foi útil para você?

Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia

Siga-nos

Mais do Guiame

O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições