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A última palavra a ser pronunciada no universo e na história não será morte, mas vida, vida eterna e abundante, pois o nosso Senhor Jesus Cristo, que andou por toda parte fazendo o bem, venceu

Fonte: guiame.com.brAtualizado: segunda-feira, 25 de agosto de 2014 às 12:19
morte
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morteChorei a morte de Eduardo Campos como se tivesse perdido alguém da família. Acho que chorei muitas mortes, ou a morte de muitas coisas, naquelas lágrimas. Meu coração foi comovido pela dor que chegava ao coração de Renata e seus filhos. Chorei por aqueles meninos. Sei o que é chorar a morte de um pai. Sei que eles precisarão de lágrimas emprestadas para que superem tamanha dor. Emprestei para eles um pouco das minhas.

Naquele dia lembrei de um livro infantil, que os estúdios Disney transformaram em filme com estréia prevista para outubro: Alexandre e o dia terrível, horrível, nada bom, muito ruim. Já vivi muitos dias assim. Não é possível encontrar respostas exatas e objetivas para as perguntas que a tragédia nos lança em rosto. Mas ao longo de quase 30 anos de sacerdócio pastoral aprendi algumas coisas que acredito me foram sussurradas por Deus nas minhas noites de pranto e escuridão.

Não devemos esperar que Deus nos poupe do dia terrível, horrível, nada bom, muito ruim, mas jamais devemos duvidar de sua companhia quando esse dia chega. Assim confiaram todos os homens e mulheres que andaram com Deus. Não se imaginaram blindados contra as investidas do mal. Mas jamais conheceram a solidão: “mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo”; “os olhos do Senhor estão atentos sobre toda a terra para fortalecer aqueles que lhe dedicam totalmente o coração”; “não tema, pois eu o resgatei; eu o chamei pelo nome; você é meu. Quando você atravessar as águas, eu estarei com você; e, quando você atravessar os rios, eles não o encobrirão. Quando você andar através do fogo, você não se queimará; as chamas não o deixarão em brasas. Pois eu sou o Senhor, o seu Deus, o Santo de Israel, o seu Salvador”.

As manifestações do mal não podem destruir aqueles que têm fé e andam com Deus. As manifestações do mal podem no máximo nos obrigar a reconfigurar a vida, mas jamais nos destruir. Quando o mal bate à nossa porta e a tragédia nos alcança, somos arremessados de maneira cruel em direções jamais imaginadas.

De repente nos percebemos em lugares, situações e circunstâncias que nunca sequer chegamos a imaginar. Nossa vida ganha contornos que jamais escolheríamos caso tivéssemos essa prerrogativa. Então precisamos parar para refazer os planos, realinhar as expectativas, descobrir novas fontes de contentamento e satisfação, encontrar outras pessoas para amar, descobrir novas maneiras de servir ao próximo e correr atrás dos sonhos, se é que permanecem os mesmos. A tragédia nos obriga a reconfigurar a vida, mas não tem o poder de nos destruir.

O rabino Harold Kushner disse que temos nas mãos o poder de transformar as pessoas amadas que perdemos em mártires de Deus ou mártires do diabo. Quando a perda da pessoa amada nos faz desistir dos sonhos, abandonar a luta e trilhar um caminho de autodestruição, então fizemos da pessoa amada um mártir do diabo. Mas quando decidimos honrar a memória da pessoa amada, e nos dedicamos a escrever uma história e construir uma biografia bonita e digna, e escolhemos a vida em lugar da morte, então fazemos daquele que se foi um mártir de Deus.

Aprendi também que as investidas do mal não interrompem a marcha do bem. Os dias maus são ocasiões quando lutamos contra a tentação de desistir. Mas a presença de Deus faz com que os sonhos semeados em nosso coração não se desvaneçam. E somos surpreendidos com a chegada de novos sonhos. Deus também é sonhático. Os períodos de escuridão e silêncio não são sinais de que o sonho acabou, mas tempo para adensamento e sintonia fina dos sonhos que Deus nos deu e dos novos que nos quer dar.

Anne Lamott, romancista e ativista social, disse que as nossas lágrimas são sagradas: elas regam o chão ao redor dos nossos pés onde novas flores podem crescer. O mal pode nos fazer chorar, mas não pode nos fazer abandonar a caravana do bem. Quem anda com Deus resiste ao mal, não se deixa vencer pelo mal, e vence o mal com o bem. Na verdade, não é o mal que avança, mas o bem. Quem está em marcha não é o mal. O mal está estabelecido. Quem avança é a caravana do bem. E sempre que o mal tentar deter a marcha será derrotado. Quem marcha com Deus não pode ser detido. As marchas abençoadas por Deus não podem ser interrompidas pelas hostes da maldade. As portas do inferno não têm trincos suficientemente fortes para impedir o chegada daqueles que avançam com fé e coragem.

Fico a imaginar o mundo e o inferno no sábado seguinte à morte de Jesus. O mundo em trevas e o inferno em festa. Os espíritos maus zombando dos anjos. Mas no céu, perfeita ordem, reverente ao fato de que o filho do Deus vivo havia sido crucificado. Era necessária uma pausa para que o céu e todo o restante da criação derramassem suas lágrimas. Mas o dia seguinte seria o domingo da ressurreição. Depois da noite de choro chegaria a alegria. E os homens e mulheres do bem retomariam sua marcha até o triunfo final.

Deus é capaz de virar o jogo. Essas foram as palavras de José, o príncipe do Egito, aos seus irmãos que o haviam rejeitado, traído e vendido como escravo: “o mal que vocês fizeram contra mim, Deus o transformou em bem”.

Jesus orou por nós pedindo a Deus, o Pai, que não nos tirasse do mundo, mas nos livrasse do Maligno. E nos ensinou a orar pedindo a mesma coisa: “não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno”. O Maligno e seu mal estão presentes no mundo. De quando em vez ele nos fere e sua maldade nos alcança. Mas o mal nunca, jamais, tem a última palavra: Deus transforma o mal em bem.

A história está cheia de homens e mulheres que se agigantaram justamente porque foram provocados pela manifestação do mal e pelo Maligno. A Bíblia conta a história de Jó, um sadiq (justo), que praticava a sedaqah (justiça) diante de Deus e dos homens. Mas o Maligno lhe causou muitos males e lhe trouxe muito sofrimento. Ao final de seus dias, Jó se ajoelha e pronuncia para Deus as seguintes palavras: “antes eu te conhecia de ouvir falar, mas agora os meus olhos te vêem”.

O mal que assolou Jó não o destruiu, apenas o obrigou a reconfigurar a vida. Não o fez desistir de ser justo e praticar a justiça, apenas o obrigou a fazer uma pausa para chorar. E, ao final, o mal virou poeira na história, pois Deus sempre faz triunfar o bem.

A última palavra a ser pronunciada no universo e na história não será morte, mas vida, vida eterna e abundante, pois o nosso Senhor Jesus Cristo, que andou por toda parte fazendo o bem, venceu, e naquela manhã do domingo da ressurreição decretou de uma vez para toda a eternidade que não apenas a morte, mas também todos os agentes promotores e mantenedores da morte voltariam ao nada, vencidos pela manifestação da vida.

 

- Ed Rene Kivitz

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Dedico
à memória de Eduardo Campos
à sua esposa Renata, e aos seus filhos Miguel, João, José, Pedro e Duda
à amada irmã Marina Silva
às famílias enlutadas pelo trágico acidente
a todos os que marcham na caravana do bem.



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